Por Marco Paulo Soares Gomes
Organiza e modela dados, transformando-os em informações estratégicas.
E Júlia Ramalho
Transformadora de pessoas e empresas na sua melhor
versão.
A situação...
Em outubro de1994, a Intel, maior fabricante de chips
para computadores da época, descobriu que o chip lançado no ano anterior tinha
um defeito. Nos cálculos de divisão com números muito grandes, o resultado
apresentava erros. Em novembro, o problema veio à tona e um grupo de clientes exigiu
que a Intel trocasse todos os chips defeituosos. Na percepção deles, isso era um direito e não queriam correr riscos. O
presidente da empresa, então, se reuniu com um grupo de funcionários para
resolver o problema, como se aquele fosse um problema de engenharia. Subdividiram-se
em partes e, através de razão e lógica, chegaram racionalmente a uma solução. A
empresa percebeu que não seria necessário substituir todos os chips, mas apenas
aqueles pertencentes aos clientes que provassem a necessidade daquela margem de
precisão de cálculo. Em outras palavras, fariam a substituição para aqueles que
percebessem o defeito. Segundo os engenheiros, na prática, a maioria dos
usuários iria apenas se deparar com a resposta errada depois de 27.000 anos de
uso. Mas será que isso foi suficiente para resolver as demandas do cliente? O
que era importante a ser levado em consideração nessa história?
A confusão...
Muitos acreditam
que tudo aquilo que concluem através da percepção é realidade. Mas a percepção
é o processo de interpretação dos estímulos sensoriais. Assim, o comportamento
das pessoas se baseia na percepção que elas têm da realidade e não na realidade
em si.
Vários
fatores podem influenciar nossa percepção, ligando-se a fatores como: o
observador, o objeto e o contexto. Como observadores, nossas características
pessoais, atitudes e valores, interesses, motivações, experiências passadas e
emoções, bem como expectativas, afetam nossa percepção. Com relação às
características do objeto/alvo, interferem em nossa percepção seu grau de novidade,
o movimento, os sons, o tamanho, a proximidade a que estão de nós. E, quanto ao
contexto, vale destacar que são as situações que caracterizam um ambiente,
conformando ou moldando padrões de movimento ou de comportamento, como um
cenário em que se estabelecem as relações sociais (trabalho ou família, por
exemplo).
No caso
acima, uma decisão complexa, com vários atores envolvidos, foi resolvida
considerando-se apenas a perspectiva dos engenheiros. Será que, quando o problema
técnico não é tão grande, ele pode ser ignorado? Mas, e
os clientes? E a perspectiva deles, não deveria ser levada em conta para se
chegar a uma solução mais criativa sobre o problema? Quem define o que é e o
que não é importante em um produto?
Ver o
invisível
Nossa visão de mundo é construída a partir de nossas
vivências, experiências, treinamentos, emoções, observações, leituras, normas
sociais e cultura. Há estudiosos que acreditam que isso ocorre desde nossa vida
uterina. São os nossos sentidos que permitem essa troca entre nós e o mundo.
Quanto mais temos experiências, mais
capazes somos de perceber o mundo em sua riqueza e diversidade. Tudo isso vai
formando nosso mindset, uma espécie
de filtro perceptivo, resistente a mudanças. Com ele, tendemos a tomar decisões
mesmo com poucas informações, pois já temos uma preconcepção da realidade. Em
outras palavras, poderíamos dizer que nós construímos nossa própria realidade.
Por outro lado, se restringirmos nossas experiências,
estaremos também engessando nossa percepção. Ir aos mesmos lugares, viajar para
as mesmas cidades, ler os mesmos autores, assistir a um mesmo estilo de filme
pode limitar nossa construção de sentido e compreensão do mundo. A consequência
disso é que, como nossos mindsets direcionam
nossa percepção, podemos ver, mas não enxergar outras informações que estão ali,
na direção para a qual estamos olhando. Ou seja, vemos apenas o que queremos
ver, em grande parte das vezes de maneira inconsciente.
Isso se dá porque nossa percepção, esse processo que
nos liga ao mundo à nossa volta, orienta nossos sentidos para filtrar aquilo
que nos chama mais a atenção. E essa percepção é influenciada todo o tempo por
campanhas de marketing, propaganda, editoriais, pautas de imprensa e similares.
Ver o
invisível e o futuro do trabalho
A cada dia nossa sociedade se torna um ambiente mais incerto,
volátil, complexo e ambíguo. Há forças contínuas, tecnológicas, ambientais,
políticas, econômicas e sociais, que interagem e mutuamente influenciam nosso
ambiente. Cada vez mais, pessoas e organizações precisarão monitorar essas
forças e aprender a lidar com esse emaranhado de conexões. Identificar padrões,
prever comportamentos e mudanças é cada vez mais um diferencial. Isso significa
que precisamos ampliar nossa visão e enxergar além do senso comum, pois somente
assim seremos capazes de apontar soluções para o futuro do trabalho e das
organizações.
Se as transformações estão se tornando exponenciais e
disruptivas, somente aqueles que tiverem flexibilidade para ver fora de suas
viseiras de percepção (mindsets que
provocam curto-circuito, repetição) serão capazes de estar à frente de seu
tempo para inovar e fazer a diferença. Quais as novas tecnologias que impactam
o seu negócio? Como as novas tecnologias impactam seu mercado profissional?
Ao longo dos últimos tempos, tenho ouvido muitas
pessoas dizerem que sempre tivemos inovações e novas tecnologias, e que sempre
o mercado e as profissões se ajustaram a elas.
Mas, e se a velocidade das inovações mudou? Existe uma Lei que explica essa
aceleração, a Lei de Moore. Ela indica que a cada dezoito meses as tecnologias
de processamento dos computadores dobrariam a sua capacidade. Se isso veio
acontecendo, será que as mudanças atuais terão os impactos que tiveram as
mudanças passadas? Além disso, a sociedade digital e nossa hiperconectividade
não mudou nossa percepção do tempo? Em breve nós vamos falar mais sobre isso,
mas, se você ficou curioso e quer saber mais sobre o assunto, pode assistir um
documentário bacana, chamado Quanto tempo
o tempo tem, de Adriana Dutra, que está disponível no Netflix. Um bom
programa para começar a ver o invisível!
Duas atitudes
para desenvolver a habilidade de ver o invisível
Para desenvolver esta habilidade, podemos adotar duas
atitudes:
1) Assumir uma postura ativa, que nos torne
conscientes daquilo que influencia nossa percepção. Ouvir, se posicionar,
questionar, desenvolver senso crítico, respeitando a diversidade e a
divergência de opiniões. Aqui o desafio se encontra nos nossos mecanismos de
busca. Lembrem-se que os sistemas de inteligência artificial do Google e do Facebook
fazem com que a gente olhe sempre para os mesmos lugares. Estes sistemas
aprendem como funcionamos e nos oferecem apenas o que queremos ver. Para saber
mais sobre isso, veja a entrevista de Julia Ramalho Pinto que será publicada no
Jornal Estado de Minas em 20/08/2017.
2) Ampliar nossa consciência e nossa percepção por
meio de viagens para lugares diferentes, ter contato com pessoas e culturas
variadas, visitar museus, fazer cursos, participar de workshops, ler
literaturas diversas e aprender outros idiomas. Quanto mais sairmos
efetivamente da nossa zona de conforto, mais abertura teremos para a novidade.
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Mande para
a gente sugestões de como você consegue ver o invisível, como você se abre para
o diferente. Compartilhe este artigo com o maior número de gente possível,
promova debates.
Sobre os autores:
Marco
Paulo Soares Gomes reside em Belo Horizonte e é professor dos cursos de Sistemas de
Informação, da PUC Minas, e Relações Internacionais, do Ibmec MG. É doutor e
mestre em Ciência Política (DCP/UFMG), com bolsa sanduíche no Programa de
Modelagem de Sistemas Complexos da USP, especialista em Relações Internacionais
(Universidade de Brasília - UnB) e em Gestão Estratégica (CEPEAD/UFMG) e
bacharel em Ciência da Computação (PUC Minas). Tem interesses nos temas tomada
de decisão, cognição, processamento de informação, análise de dados, sistemas
de informação, tecnologia, planejamento, cenários prospectivos, modelagem de
processos, sistemas complexos, modelagem baseada em agentes e simulação
computacional. Atua na área de modelagem de processos, sistemas de informação e
ciência de dados. Foi analista de sistemas, analista econômico financeiro e
consultor de investimentos. Vem participado do grupo dos designers do futuro através de
discussões sobre o impacto das novas tecnologias nas carreiras e na gestão.
Júlia Ramalho reside em Belo
Horizonte (Brasil) e ajuda pessoas e empresas a revelarem o seu melhor, ao
clarear propósitos e manter foco nas ações necessárias. Faz isso há mais de18
anos de atendimentos em coaching e clínicos. Possui formação como psicóloga,
coach e administradora, sendo também mestra nesta última área. Desde 2005 vem
investigando as novas tecnologias e seus impactos sobre o trabalho e as futuras
gerações. Como gestora, dirige a Estação do Saber [www.estacaodosaber.com] e foi
presidente fundadora da International Coach Federation – Chapter Minas.
Coordenou projetos de discussão sobre as novas tecnologias (ETC_BH -2009 a
2013) e de transformação da nossa cultura e sociedade (Estação Pátio Savassi –
2005 a 2013). Atualmente se dedica à construção de uma metodologia de
orientação de carreiras através de conhecimentos de coaching, design thinking e
análise de forças tecnológicas como inteligência artificial, internet das
coisas e realidade virtual, dentre outras. Coordena e participa do grupo designers do futuro, que tem por objetivo promover discussões sobre o impacto dessas
tecnologias em carreiras, gestão e sociedade.
O tema é importante. Estamos vivendo no tempo da pós-verdade. Acreditamos naquilo que nos parece verdadeiro, segundo nossa intuição e opinião. Os fatos não importam. Importam os sentimentos, a emoção, amplificados pelas redes sociais onde buscamos a confirmação de nossas percepções, e não, necessariamente a verdade.
ResponderExcluirOi Cristina, obrigada pelo seu comentário. Muito pertinente a lembrança da pós-verdade como efeito de um comportamento que apenas vê o que lhe parece verdadeiro e não se atém a fatos ou amplia a percepção com visões distintas. Corremos o risco de nos tornamos cada vez mais míopes e intolerantes. E pior, num mundo cada vez mais complexo, ambíguo, volátil e incerto.
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