Viveremos em um mundo sem trabalho?


Por Júlia Ramalho 
Paixão por ajudar a transformar pessoas e organizações na sua melhor versão.

A temática ‘fim do trabalho’ já vem sendo colocada em pauta nos grandes veículos internacionais,  como New York Times, The Guardian, Le Monde e The Huffpost, há um bom tempo. Além de ser tema de livros, como The End of Work, de Jeremy Rifikin; The End of Work, de John Hughes; The End of Jobs, de Taylor Pearson; dentre outros, todos disponíveis na Amazon. Mas gostaria de refletir junto com você o porquê trabalhamos? Quem inventou o trabalho de 9 às 18hs? Por que em alguns países, como a Alemanha, a jornada de trabalho é menor (e agora poderá ser maior novamente)? O que é uma boa carreira? Acredito que essas perguntas possam nos ajudar a lembrar que o conceito, a classificação e o valor atribuídos ao trabalho são culturais. Quando mudam as condições de realizar, vender e estruturar o trabalho, todas essas noções se alteram.

O Guru da Gestão Peter Drucker afirmou que o trabalho é tão antigo quanto o homem, mas não quer dizer que ele tenha sido sempre nesse formato que conhecemos. Raramente lembramos disso! Na idade antiga o trabalho estava ligado a comer e se abrigar. Na idade Média não havia emprego, as relações eram de servidão. Havia os donos da terra e os que trabalhavam nela, esses últimos podiam consumir o que produziam para o sustento. Na idade moderna podemos dizer que começa a haver pequenas produções familiares e ofícios. Mas foi com a Revolução Industrial que o que entendemos por trabalho se estabelece.

Com a saída do homem do campo para as cidades, sem deter meios de produzir, começa-se a oferecer a força de trabalho em troca de salários. De certa forma podemos dizer que é aí que o emprego surge, quando a força de trabalho passa ser trocada por salário. Desde lá, sempre tendemos a pensar no trabalho intimamente associado a noção de emprego.

Essa relação contínua de trabalho/emprego ao longo do tempo foi interferindo, inclusive, na escolha de uma profissão. Qual a demanda de emprego na minha região? Qual profissão escolher para ter emprego? Quem nunca ouviu ou se fez essas perguntas? Mas será que essas são as perguntas a serem feitas numa sociedade cada vez mais tecnológica e digital? Afinal, qual o futuro do trabalho?

Será que veremos o fim do trabalho? 

Se o trabalho/emprego não foi sempre assim (estabelecido em contrato, com horário fixo e local fixo para executá-lo), por que imaginamos que ele continuará sendo assim? Vivemos em uma era na qual o avanço da tecnologia é a de um piscar de olhos, prova disso é a evolução da internet e novas tecnologias como a Inteligência Artificial e a Robótica. Hoje carros sem motoristas já são testados; caixas eletrônicos, sem atendentes, em muitas lojas já são utilizados e atendentes de telemarketing já são substituídos por chatbot (um robô desenvolvido a partir de software de comunicação automatizada). Sem falar que, pelo celular fazemos transações bancárias sem precisar ir ao banco ou compramos passagem e reservamos hotel sem precisar de ir a uma agência de viagem.

Pode parecer algo de ficção científica ou algo distante de nós, mas na verdade estamos vendo a cada dia a tecnologia fazendo trabalhos que antigamente eram feitos por homens. As primeiras grandes ondas de automação eliminaram trabalhos braçais e sabemos que em grandes indústrias da China, EUA e Europa praticamente não há trabalhadores nas linhas de montagem. Agora, estamos começando a testemunhar a automação do trabalho através da computação cognitiva, o que amplia ainda mais as possibilidades de automação do trabalho.

Não importa qual pesquisa utilizemos como referência, seja a da consultoria McKinsey (2017) que afirma que quase 16 milhões de trabalhadores brasileiros serão afetados pela automação até 2030 ou a clássica The future of employment: how susceptible are jobs to computerisation?, de Carl Benedikt Frey e Michael A. Osborne (2013). O que importa é que os dados sempre indicam um alto percentual de automação e de eliminação de trabalhos e empregos. Na verdade, não é possível prevermos com precisão o número de vagas de empregos que serão eliminadas com as novas tecnologias. O que sabemos é que serão muitas por que agora não apenas tarefas braçais, mas, também, trabalhos antes impensáveis como o diagnóstico médico ou assistência jurídica também podem ser feitos por máquinas.

Se podemos ter mais poder de execução, mais agilidade e capacidade de relacionar coisas complexas a um custo cada vez mais barato, por que não fazê-lo? Está aí uma questão ética: se podemos fazer não quer dizer que devemos fazer. Contudo, é provável que a pressão que as empresas estão sofrendo para otimizar seus ganhos e encontrar formas ágeis de funcionar pressione-as a implantar todas essas soluções. Um estudo conduzido pela Expert Market mostra que 70% dos gestores considerariam a possibilidade de usar um robô em sua equipe e 47% não se sentiriam culpados em substituir um funcionário humano por um autômato. Existe uma lógica que indica que todas essas mudanças podem e serão feitas. Chama-se lógica capitalista, não é mesmo?

Mas o que faremos se os robôs e máquinas forem capazes de fazer nossos trabalhos? Nós ainda seremos necessários para produzir riquezas? Como iremos sobreviver se temos a ideia de trabalho aliado a emprego/renda? Se o homem criou tecnologias que tornam o trabalho do próprio homem dispensável, como iremos reinventar nossa existência?

A noção de trabalho ajuda a dar sentido a vida. Com a ausência dele muitos adoecem, deprimem e se angustiam. Não apenas pelas questões de renda que o trabalho promove, mas muito pela ocupação e conexão social que fazemos quando estamos trabalhando. Veja por exemplo o caso de pessoas que se aposentam e, mesmo com renda, perdem o chão. Ficam sem saber o que fazer com a vida. Um pouco dessas questões discutimos nos textos sobre o propósito: aqui e aqui.

Então, visualizemos um futuro possível se todos nós de uma hora para outra tivéssemos uma renda básica que nos permitisse viver? Essa conversa começa a ganhar coro em alguns países como, por exemplo, a Finlândia. Se ninguém tivesse que trabalhar para comer, dormir, ter acesso a saúde, etc., qual seria nossa relação com o trabalho? Se o trabalho não fosse mais tão intimamente ligado a noção de emprego? Que trabalho seria este?

Se a noção de trabalho foi mudando ao longo da história, por que não poderá mudar de agora para frente com as transformações tecnológicas? Transformações que permitem novas formas de: realização, produção e organização do trabalho? É possível que estejamos vivendo um “tipping point” (ponto de virada) na nossa relação com o trabalho.

Se será o fim dele isso é difícil de afirmar, mas com certeza será o fim do trabalho como o conhecemos. Alguns falam do retorno aos trabalhos “made by hand” (feito a mão). Se tudo pode ser produzido em larga escala e de forma barata, talvez seja tempo da retomada dos artesões, da produção do trabalho com sentido e propósito. Talvez seja o momento de fazer surgir o trabalho como uma expressão do nosso ser no mundo e não apenas como uma “coisa” a ser trocada por moedas. Talvez seja o momento de surgir o que fazemos que nos torna mais humanos? Fato é, tudo está para ser questionado e reinventado. Não dá para continuarmos fazendo as mesmas coisas, do mesmo jeito, nesse contexto completamente novo, não é mesmo?

E você, como está reinventando o seu trabalho? Na próxima semana que tal avançarmos no tema sobre como continuar num mundo sem trabalho? Se tiver questões específicas comente abaixo, vamos conversando.

Júlia Ramalho reside em Belo Horizonte (Brasil) e ajuda pessoas e organizações a revelarem o seu melhor, ao clarear propósitos, ver possibilidades diante das incertezas e manter foco nas ações necessárias. Faz isso há mais de 18 anos por meio de atendimentos em coaching e clínicos. Possui formação como psicóloga, coach e administradora, sendo também mestra nessa última área. Desde 2005 vem investigando as novas tecnologias e seus impactos sobre o trabalho e as futuras gerações. Como gestora, dirige a Estação do Saber [www.estacaodosaber.com] e foi presidente fundadora da International Coach Federation – Chapter Minas. Coordenou projetos de discussão sobre as novas tecnologias (ETC_BH -2009 a 2013) e de transformação da nossa cultura e sociedade (Estação Pátio Savassi – 2005 a 2013). Atualmente se dedica à construção de uma metodologia de orientação de carreiras através de conhecimentos de coaching, design thinking e análise de forças tecnológicas como inteligência artificial, internet das coisas e realidade virtual, dentre outras. Coordena e participa do grupo designers do futuro, que tem por objetivo promover discussões sobre o impacto dessas tecnologias em carreiras, gestão e sociedade.

Comentários